segunda-feira, maio 23, 2005

DETENTOS - INTRO

Todos fazem amigos na prisão. Não tem como, tu tá lá, recluso, acaba fazendo umas parcerias. Tem que matar o tempo senão ele te mata.

O nome do primeiro era Loco Yuri. Ninguém sabia o que se passava naquela cabeça. Imprevisível ao extremo. Por mais que apanhasse, mais transgredia. Parecia não se importar. Virou amigo. Participou de várias correrias. Falcatrua era com ele. Depois de um ano, conseguiu sair na condicional. Logo depois saí também. Cumpri a pena.

Começamos a praticar leves delitos.

Passou um tempo e encontramos Gordo Newton e Marcos Ceará, antigos colegas de detenção. Formamos uma quadrilha. Partimos para o assalto à banco. Muto arriscado. Depois de uns três ou quatro vigias mortos. Desistimos.

Também, o dinheiro nunca dava. Cada vez que nos juntávamos para dividir a grana, rolava tumulto generalizado. O Gordo Newton era paranóico, sempre achou que estavam passando ele para trás. Ceará ia nas pilhas e já saia atirando. Foi daí que fiquei com essa cicatriz no queixo.

Partimos pro sequestro. Foi bom no começo, mas depois encheu o saco, muito monótono, e o resgate era raro. Quase sempre nos obrigávamos a matar o encarcerado. Depois que enterramos vivo aquele advogado, largamos de mão. Muito órbido.

O jeito foi o narcotráfico. Nos tornamos traficantes de responsa. Se a atividade fosse lícita, com certeza seríamos os Empreendedores do Ano. Eu, com meus contatos no morro, arranjava os fornecedores mais baratos e, com frequencia, o bagulho de melhor qualidade. O Loco Yuri se encarregava da venda na Zona Leste e no Centro. Marcos Ceará se encarregava da Zona Sul e fazia a segurança. E o Gordo Nexton tinha fácil acesso entre a playboyzada. Ele era um playboy.

Tava tudo indo bem. Vária mulheres, vários carros, vários dólares e vários inimigos. No mercado das drogas, os mais falados, os mais fodas. Em menos de um ano a gente dominava o varejo.

Muitos começaram a crescer o olho pra nós.

Fora isso, a cocaína e o ácido deixaram o Gordo Newton cada vez mais neurótico. Depois de um tempo, ele começou a achar que eu tava coordenando uma quadrilha paralela e que eu tava robando a parte ele. Só a dele. Paranóia delirante.

O problema era comigo. Isso dividiu o grupo.

Sem contar que o Ceará tava em outra. Com grana fácil começou a gerenciar alguns puteiros no Guarujá e em Ipanema. Lá na Serraria era Rei.

Não precisava ser muito esperto para perceber que o fim tava próximo.

Foi então que um telefonema me levou à um churrasco na casa da mulher do Gordo Newton. A intenção era dividir a grana que ainda restava e depois disso cada um por si. Já era.

Só eu acreditei.

Chegando lá, depois de algumas horas, a polícia invadiu a casa cheios de ódio e malícia. Mataram quase todo mundo. Fui alvejado pelas costas com uma salva de AK. Loco Yuri veio na minha cobertura e me ajudou a fugir. Quase morri.

Cagoetaram nosos antecedentes. O dinheiro sumiu.

Nos disperçamos. Gordo Newton se refugiou em algum lugar da Zona Norte. Sumiu. Eu larguei essa vida do crime. A polícia tava no meu encalço fazia tempo, desde que matamos um delegado na Igrejinha. Fugi do Estado. Loco Yuri fez o mesmo e partiu para Europa. Tráfico internacional era o canal, dizia dele. Ceará continuou tocando o horror na cidade. Pesadelo do sistema não tinha medo da morte.

O tempo passou. Já se vão longos sete anos. A hora de acertar as contas.Eu tô voltando para a cidade. Fiquei sabendo que o Loco Yuri também. O Ceará continua vivo e mais psicopata do que nunca. Gordo Newton tá sumido desde então, mas já fiquei sabendo que vem agindo na maciota, como um rato na calada da noite.

Cada um com seu destino, mas todos com um só pensamento: Quem traiu quem? Quem ficou com o dinheiro? Quem vai pagar por isso.

Desde aquele dia nossas vidas nunca mais foram as mesmas. E ainda tem muita coisa pela frente. A fúria ressuscita outra vez.

(...)continua (...)

Comments: Postar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com